Área Temática: História da Educação...

                                                       Área Temática: História da Educação
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Resumo

O tema desta comunicação – as funções sociais da escola – é resultante de uma pesquisa de
cunho bibliográfico desenvolvida na disciplina Ciência, História e Educação. Tem por
objetivo identificar as funções sociais da escola sob a perspectiva de cinco autores. Com esse
intuito, analisamos o artigo de Pierre Bourdieu (1999) – A Escola Conservadora: as
desigualdades frente à escola e à cultura – no qual o autor explicita os mecanismos objetivos
que determinam a função social da escola sob a ótica da conservação das desigualdades e da
reprodução das classes sociais; a obra de Pérez Gómez (1998) – As Funções Sociais da
Escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência – que vê, na
escola, um espaço no qual a função reprodutivista pode ser quebrada pela priorização da
função educativa; Dermeval Saviani em Educação: do senso comum à consciência filosófica
(1980) e Escola e Democracia (1983) destaca que a função social da escola é promover o
homem, elaborando, a partir daí, um método que permitiria à escola exercer tal função.
Antonio Gramsci (1979) em Os Intelectuais e a Organização da Cultura propõe a escola
unitária e desinteressada. Com A Produção da Escola Pública Contemporânea Gilberto Luiz
Alves (2001) demonstra como as funções reprodutivista e pedagógica foram secundarizadas,
cedendo espaço a novas funções. Embora os caminhos metodológicos seguidos por estes
pensadores sejam, em alguns casos, divergentes, suas análises convergem, sob uma dimensão:
a escola deve resgatar o conhecimento historicamente acumulado e assumir a função de
possibilitar, aos trabalhadores, o acesso a esse conhecimento.

Palavras-chave: Função Social da Escola. Reprodução e Conservação Social.
Transformação. Promoção do Homem. Escola Única e Desinteressada.
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Introdução


        Esse estudo tem por objetivo identificar as funções sociais da escola sob as lentes de
cinco historiadores: Pierre Bourdieu (1999), Pérez Gómez (1998), Dermeval Saviani (1980,
1983), Antônio Gramsci (1979, 1989) e Gilberto Luiz Alves (2001). Este trabalho é o
resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada na disciplina Ciência, História e Educação1
que buscou responder à seguinte questão: quais as funções sociais que permearam o
desenvolvimento da escola pública? Entender essas funções implicou nessa pesquisa
bibliográfica com o objetivo de explicitar as funções sociais da escola sob a lente de
diferentes autores.
        O sociólogo francês, Pierre Bourdieu, explicita, em seu artigo, os mecanismos
objetivos que determinam a função social da escola: conservar as desigualdades e reproduzir
as classes sociais. Pérez Gómez também afirma que a escola é conservadora e reprodutora,
contudo acredita que ela pode ser, além disso, um espaço de transformação.
        Dermeval Saviani (1980, 1983) atribui à escola a função de promover o homem e,
nessa perspectiva, propõe melhorias profundas na formação docente e no ensino discente.
Para tanto desenvolveu um método de ensino para as escolas brasileiras no qual a apropriação
do conhecimento historicamente acumulado é o ápice.
        Antônio Gramsci (1979, 1989) propõe uma escola unitária e desinteressada, uma
escola que não aja de forma imediatista, mas desinteressadamente, conduzindo o aluno ao
hábito de estudar, analisar, raciocinar e abstrair.
        Preconizando uma nova didática, Gilberto Luiz Alves (2001) demonstra como as
funções reprodutivista e pedagógica foram secundarizadas na escola cedendo espaço às novas
funções geradas pelo desenvolvimento tecnológico.


A Escola Conservadora


        Para Bourdieu (1999, p. 41) o sistema escolar “é um dos fatores mais eficazes de
conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e
sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. Conforme Bourdieu

1
 Disciplina ministrada no segundo semestre de 2007, pelos professores Ângela Mara de Barros Lara e Mário
Luiz Neves de Azevedo, no Programa de Pós – Graduação em Educação/Doutorado, pela Universidade Estadual
de Maringá – UEM, da qual participei como aluna especial.
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(1999, p. 41/42), é a herança cultural a primeira responsável pela diferença inicial da criança
na escola, uma vez que cada família transmite a seus filhos certo capital cultural e certo ethos
– sistema de valores – que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao
capital cultural e à instituição escolar. Assim, quanto mais elevada for a categoria sócio-
profissional e, conseqüentemente, o nível cultural dos pais e dos avós, mais se elevam as
probabilidades de êxito escolar da criança.
       Não é só a compreensão e o manejo da língua que garantem maior rentabilidade
escolar aos filhos das classes superiores, afirma Bourdieu. Eles herdam, além dos saberes,
gostos e “bom gosto” – práticas e conhecimentos culturais (teatro, museu, pintura, música,
jazz, cinema) – tão mais ricos e extensos quanto mais elevada for sua origem social. E a
escola, pelas desigualdades de seleção e pela ação homogeneizante, só faz reduzir
minimamente essas diferenças, contribuindo para a reprodução da “estrutura das relações de
classe ao reproduzir a desigual distribuição, entre as classes, do capital cultural”
(BOURDIEU, 1975, p. 198). Ao atribuir aos indivíduos esperanças de vida escolar
estritamente dimensionadas pela sua posição social, a escola opera uma seleção que sanciona
e consagra as desigualdades reais. Com isso, contribui para perpetuar as desigualdades, ao
mesmo tempo em que as legitima.
       A herança cultural, dada pela posição social, influencia tanto a taxa de êxito escolar e
a continuidade do ensino quanto a escolha do destino. No entanto, alerta Bourdieu (1999),
essa situação não se deve ao dom natural ou a um destino determinado, mas às desigualdades
sociais que geram as desigualdades culturais. Se a combinação do capital cultural e do ethos,
legados pelo meio familiar, constituem o princípio de eliminação diferencial das crianças de
diferentes classes sociais, é a atitude da família a respeito da escola que determina o
prosseguimento ou não dos estudos. As vantagens e desvantagens sociais são,
progressivamente, convertidas em vantagens e desvantagens escolares. Ao tratar todos os
educandos como iguais em direitos e deveres, a escola sanciona as desigualdades iniciais
frente à cultura e “consegue tão mais facilmente convencer os deserdados que eles devem seu
destino escolar e social à sua ausência de dons e de méritos” (BOURDIEU, 1975, p.218). Para
Bourdieu (1999, p. 53), a igualdade formal que pauta a prática pedagógica mascara a
indiferença frente às desigualdades reais e dirige-se tão somente aos educandos que detêm
uma boa herança cultural, de acordo com as exigências culturais da escola.
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Isso ocorre porque a cultura escolar é tão próxima da cultura da elite que as crianças
das classes populares não podem adquirir, senão com muito esforço, o que é herdado, pelos
filhos das classes cultivadas. Assim, a função da escola – organizar o culto de uma cultura –
só pode ser proposta a todos, mas, de fato, está reservada aos membros das classes às quais
pertence a cultura cultuada. Nesse contexto, a escola assume por função objetiva conservar os
valores que fundamentam a ordem social dominante. A essa prática cultural se oporia



                       [...] uma pedagogia racional e universal, que, partindo do zero e não considerando
                       como dado o que apenas alguns herdaram, se obrigaria a tudo a favor de todos e se
                       organizaria metodicamente em referência ao fim explícito de dar a todos os meios de
                       adquirir aquilo que não é dado, sob a aparência de dom natural, senão às crianças
                       das classes privilegiadas (BOURDIEU, 1999, p. 53).



       No entanto, a ação da escola não se dirige no sentido de dar a todos os meios de
adquirir aquilo que não lhes é dado. Ela é o lugar de transmissão do saber que recebe e trata
os alunos como iguais, a despeito da disparidade cultural. Com isso sanciona as desigualdades
que só ela poderia reduzir. Considerando que o domínio da cultura erudita requer o
conhecimento do código segundo o qual ela está codificada e que o domínio do código só
pode ser adquirido mediante uma aprendizagem metódica e organizada caberia à instituição
escolar “desenvolver em todos os membros da sociedade, sem distinção, a aptidão para
práticas culturais que a sociedade considera como as mais nobres” (BOURDIEU, 1999, p.
62).
       Bourdieu analisa a função reprodutivista da escola que, embora aja no sentido de
conservar as desigualdades e reproduzir as classes sociais, poderia ser também um espaço de
socialização caso lutasse por um trabalho no qual oferecesse aos filhos das classes populares
condições de adquirir o capital cultural que não herdaram. Porém, o autor francês considera
ingenuidade supor que do funcionamento da escola, tal como está organizada, possam surgir
as contradições capazes de determinar uma transformação profunda “e de impedir a
instituição encarregada da conservação e da transmissão da cultura legítima de exercer suas
funções de conservação social” (BOURDIEU,1999, p. 58).
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3 Conservação e Reprodução ou Transformação?


       Conforme Pérez Gómez (1998, p. 13), o ser humano, desde suas origens, elabora
mecanismos para sua sobrevivência que são transmitidos às novas gerações. “Este processo
de aquisição por parte das novas gerações das conquistas sociais – processo de socialização –
costuma denominar-se genericamente como processo de educação”. Nesse sentido, a
educação assume a função de socialização e, em especial, de humanização do homem. Nas
sociedades atuais a preparação das novas gerações está sob a responsabilidade de instâncias
específicas como a escola, cuja função é preparar as “novas gerações para sua participação no
mundo do trabalho e na vida pública” (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 13), ou seja, promover sua
socialização.
       A escola, concebida como instituição socializadora das novas gerações, cumpre uma
função puramente conservadora: “garantir a reprodução social e cultural como requisito para a
sobrevivência da sociedade” (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 14). No entanto, alerta o autor, a
tendência conservadora lógica para a reprodução social choca-se com outra tendência,
também lógica, que busca transformar os caracteres sociais, especialmente aqueles
desfavoráveis para alguns grupos, caracterizando uma contradição externa. Nesse contexto, o
processo de socialização que a escola cumpre assume dois objetivos: preparar os alunos para
o futuro ingresso no mercado de trabalho e formar o cidadão para sua intervenção na vida
pública, emergindo daí as contradições internas que consagram a escola como reprodutora da
arbitrariedade cultural. Explica-se.
       Com o intuito de formar o cidadão capaz de intervir na vida pública a escola deve
provocar o desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas que permitam sua
incorporação na vida política e social, esferas que requerem “participação ativa e responsável
de todos os cidadãos considerados por direito como iguais” (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 20).
Contraditoriamente essa mesma sociedade, na esfera econômica, induz à submissão, à
disciplina e à aceitação das diferenças sociais. Nessa esfera a contradição agrava-se: a escola
deve formar os alunos para sua futura incorporação em que mercado de trabalho? Do trabalho
assalariado que requer submissão e disciplina? Ou do trabalho autônomo que, ao contrário,
requer atividade e criatividade?
       Frente a uma função tão complexa e contraditória a escola apresenta
                                                                                                     1318


                       [...] uma ideologia tão flexiva, frouxa e eclética [...] cujos valores são o
                       individualismo, a competitividade, a falta de solidariedade, a igualdade formal de
                       oportunidades e a desigualdade “natural” de resultados em função de capacidades e
                       esforços individuais. Assume-se a idéia de que a escola é igual para todos e de que,
                       portanto, cada um chega onde suas capacidades e seu trabalho pessoal lhes permitem
                       (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 16).



       Esse processo consagra a escola como reprodutora da arbitrariedade cultural num meio
que estimula a competitividade, em detrimento da solidariedade, desde os primeiros
momentos da aprendizagem escolar. Confirmando os dizeres de Bourdieu, Pérez Gómez
(1998, p. 16) conclui que a escola socializa preparando o cidadão para aceitar como natural a
arbitrariedade cultural. Porém, o processo de reprodução nem é linear, nem automático, nem
isento de contradições e resistências; o processo de socialização acontece também em
conseqüência das práticas sociais. A escola é um cenário de conflitos.
       Para Pérez Gómez (1998, p. 19) na escola, como em qualquer outra instituição social,
existem espaços de relativa autonomia que podem ser usados para desequilibrar a tendência
reprodutora, uma vez que o processo de socialização envolve um complexo movimento de
negociação em que as reações e resistências de professores/as e alunos/as podem chegar a
provocar a recusa e ineficiência das tendências reprodutoras da escola.
       A contradição externa – tendência conservadora x tendência renovadora – acontece de
forma específica na escola. As correntes renovadoras impulsionam a resistência e a
transformação. A função educativa da escola, ou seja, a utilização do conhecimento social e
historicamente construído, da experiência e da reflexão como ferramentas de análise para
compreender a sociedade e a ideologia dominante, quebra ou pode quebrar o processo
reprodutivista. O grande desafio da escola é fazer com que sua função educativa assuma um
caráter compensatório, isto é, atenda às diferenças de origem, oportunizando o acesso à
cultura, provocando e facilitando a reconstrução dos conhecimentos, das disposições e das
pautas de conduta que a criança assimila em sua vida paralela e anterior à escola.
       A escola, afirma o autor, não pode anular a desigualdade socioeconômica, mas pode
atenuar seus efeitos. Para tanto, deve oferecer o conhecimento como ferramenta de análise e,
mais que transmitir informação, deve orientar
                                                                                                     1319


                       [...] para provocar a organização racional da informação fragmentaria recebida e a
                       reconstrução das pré-concepções acríticas formadas pela pressão reprodutora do
                       contexto social. [...] É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo que
                       se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à
                       solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro
                       tipo de relações com o conhecimento e a cultura que estimulem a busca, a
                       comparação, a crítica, a iniciação e a criação (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 26).



       Assim como Bourdieu, Pérez Gómez afirma que a escola exerce uma função de
reprodução cultural e de conservação social. Porém, ele acredita na existência de um espaço
de autonomia no qual a resistência pode gerar transformações. Além da função de
conservação e de reprodução a escola pode, através de sua função educativa, estimular a
participação ativa e crítica dos alunos, primeiramente nas atividades desenvolvidas na sala de
aula e, posteriormente no cenário social propriamente dito.


A Escola como Promotora do Homem

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