UMA RUA GRANDE; PORÉM, TORTA...

UMA RUA GRANDE; PORÉM, TORTA, MORADIA FIXA DE MUITAS LEMBRANÇAS E DE MUITAS SAUDADES.
Ninguém fica à toa, caso se permita andar, caminhar, passear ou até historiar pela Rua Coronel Alexanzito, uma das mais antigas e a popular Rua Grande, em Aracati, famosa pelo seu valor histórico-cultural, sede dos mais belos casarões históricos, arquitetura dos Séculos XVIII, XIX e XX, cantada como a rua torta “que nem uma linha, que a gente joga no chão”. O patrimônio histórico, enfileirado num casario em forma de sobrados, cujas paredes se cobrem dos belos e dos ricos azulejos portugueses, além da rara marca arquitetônica, guarda em seu interior a galhardia da “nobreza” que lá nasceu e viveu por algum tempo, no apogeu das charqueadas exportadas para a Europa e do ciclo dos ouros brancos, Sal e Algodão. A sensibilidade de quem se insere na história da grande Rua Grande, também é capaz de causar arrepios de saudades de outras riquezas, impregnadas nas fartas paredes, cúmplices de muitos acontecimentos, de muitos sentimentos, de muita elegância, de muita bravura e até de muita bizarria. Como era bom se viver naquela rua! À época, infinita como a esperança e, mesmo antiga, parecia adolescente, pelo florescer de tantos valores, pela delicadeza de muitas posturas e pela beleza das moças bem criadas, educadas para preservarem o legado familiar. Na Rua Grande era assim: missas rezadas em latim, na histórica igreja de Nosso Senhor do Bonfim, com a presença de homens bem vestidos e de mulheres elegantes e fiéis, inclusive ao uso do véu que lhes cobria a cabeça, num sinal de respeito e de Fé. Mais adiante, numa mistura de simples e de sofisticado, destacavam-se as casas de famosos como Beni de Carvalho, jurista, professor e escritor, membro do Conselho Nacional de Educação e da Academia Cearense de Letras; Adolfo Caminha, que se tornou escritor, após viver uma inusitada história de amor, o que o fez perder a sua carreira militar. Marcou-se, nacionalmente, na literatura, através da sua principal obra A Normalista que lhe conferiu o título de o maior escritor naturalista. Jacques Klein, um excelente pianista, do tipo que foi referência mundial, tocou com as maiores orquestras do planeta. Era um homem de bom humor, de gênio impulsivo e, de quebra, um talento especial para se comunicar com plateias das mais esnobes às mais simplórias. Casa sede da Confederação do Equador, Casa que serviu de sede do governo da Confederação do Equador no Ceará em outubro de 1824 e, há algumas décadas, tornou-se uma Instituição de Ensino da rede pública municipal, registrada como Escola de Ensino Fundamental Professor Régis Bernardo de Souza; Sobrado do Barão de Aracati, cuja fachada principal se destaca pelo revestimento de azulejos portugueses estampilhados, com aberturas por balcão único no primeiro pavimento e com balcões individuais no segundo. Este imponente casarão de três pavimentos é uma das principais peças urbanas do patrimônio histórico e cultural da região Jaguaribana. O solar do Barão de Aracati tornou-se o Museu Jaguaribano, no final da década de 1960. Casa de Câmara e Cadeia, um dos mais belos cartões-postais da bela Rua Grande, após finalizar seu objetivo como cadeia pública, manteve o 1º piso como a Câmara dos Vereadores e, no térreo, instalou-se a biblioteca do SINE/IDT. Há quem te reconte e quem te descrevas de outras formas, mas quando a Felicidade era ali, tu tinhas muitos conceitos e, também, preconceitos, tudo próprio de uma época em que valores tinham outros significados, os quais se restringiam ao poder aquisitivo que denomina as classes, as quais, em qualquer história, em qualquer cronologia temporal, sempre se sobreporão às reminiscências que relatam as dificuldades de quem, muitas vezes, adentrou os imponentes casarões, nem como moradores, nem tampouco como visitas bem vindas, mas apenas como serviçais que se contentavam com a permissão de entrar, em troca de centavos de réis, o que não lhes tirava a satisfação de, um dia, terem composto a série de cumplicidades vividas, no interior de cada imponência arquitetônica de tão ricos e de tão sofisticados palacetes.
Como o tempo muda e as coisas mudam com o tempo, a Rua Grande adotou o hábito de tornar as calçadas dessas casas em encontros e em reencontros para conversas que adentravam a madrugada e a tranquilidade era para essas pessoas a companhia mais fiel, até que o sono vencesse as prazerosas conversas que adormeciam para, novamente, serem continuadas no dia seguinte e todas as noites. Ah! Como era bom viver naquela rua! A Rua Grande é a mesma rua em dimensão, os casarões são os mesmos, embora não sejam os mesmos a maioria dos proprietários. Alguns estão fechados, há anos, dominados pelo desgaste do próprio tempo e pelo abandono de quem preferiu cerrar as portas e se ir, deixando apenas uma história, que nem o tempo, nem o abandono a apagarão. As calçadas se esvaziaram e as portas fechadas por dentro, dão a sensação de proteção a quem se impôs a se tornar refém de uma intranquilidade, que não mais agrega as pessoas para o diálogo presencial. Estão todos presos à comunicação virtual, cuja sofisticação do momento, jamais estreitará as relações, antes vividas nas rodadas de conversas, entremeadas por gostosas gargalhadas, cujo eco se fazia sem limite, levado pelos bons ventos, como o frescor da felicidade de quem não impõe limites à esperança de ser feliz de janeiro a janeiro, até que a vida permita o último suspiro. Muitos casarões da grande Rua Grande, hoje são descritos assim: SEGREDOS EXPOSTOS: Fico pensando em todas as intimidades/ Cravadas nas paredes dos velhos casarões/Tornaram-se públicos, abriram-se as portas/E todos os segredos são meras ilusões./ Eu sei que foram palco de muitas alegrias/ E todos ainda são cúmplices de muitas tristezas/ Imagino os corações de quem foi íntimo e hoje é estranho/ Rasgados de saudades num pranto, com certeza.
Será sempre uma rua querida e quem a ela retorna, certamente, solta as piruetas da imaginação e se agarra nas paredes da memória, das cores, das peripécias, das muitas histórias vividas e jamais esquecidas, porque tudo o que foi vida, hoje não é só passado; é memória viva, é uma reconstrução, mesmo vista do lado de fora. Profa. Célia Bernardo

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